segunda-feira, novembro 29, 2004

Desejo (parte 1)

Ao fazer análise ao dia
percebi que algo ardia
não é fogo literal
mas é algo bem real.

Reparei que não era ao meu redor,
está perto, sinto o calor.
O termómetro mediu
e a minha temperatura viu.

Pensei que estava doente
era eu que estava quente.
Doença não patológica,
febre não lógica.

Intrigado fui ao hospital,
o médico nada viu de mal.
Disse para eu descansar
o meu problema ia passar.

Trinta medicamentos receitados
durante trinta dias tomados.
A causa o médico ignorou
o meu mal não passou.

A doença trouxe a loucura
e eu não encontrava a cura.
Não sabia que fazer
para parar de arder.

Fogo que a água não acalma,
começou a corroer-me a alma.
Quando pensei ter descoberto
tudo ficou em aberto.

Disseram que era amor por alguém
sinceramente não sei por quem.
Tiveram a certeza que era paixão
enganaram-se novamente na razão.

Fogo que não consome
é o desejo que me tira a fome,
mas o que posso eu desejar
para me estar a incendiar?

quinta-feira, novembro 25, 2004

Pessoa

Nesta hora inspirada
o sono não tarda
pareço um poeta
mais rápido que uma seta.

Pra poeta falta ópio e absinto
por opção ópio não sinto,
já o absinto não cheiro,
só pra cerveja há dinheiro.

Já escreveram o opiário
Pessoa talentoso do mesmo usuário,
não era sobredotado
era apenas viciado.

Versos eram o seu vício
ópio e absinto fuga ao hospício
protecções contra a loucura
para a qual não há cura.

Pessoa de tantos heterónimos
que de loucura são sinónimos,
tanto talento contido
necessitou ser dividido.

Um Pessoa em várias pessoas
não é milagre da multiplicação
milagre que tanto apregoas
múltipla personalidade é explicação.

Mas também que se pode querer
de alguém que era drogado?
Embora muito talentoso ser,
a droga e o álcool dominavam o coitado.

Assim também eu tinha
multipersonalidade só minha,
drogado e macilento
das rimas a tirar sustento.

Pessoa sem trabalhar
para toda a inspiração
poder aproveitar,
sem perder a concentração.

Esta vida de poeta cansa,
esta é a última dança.
Deitado já eu estou
dormir eu vou.

Esta inspiração nocturna
é contrária à energia diurna.
Sou um noctívago ensonado.
Um escritor cansado.

quarta-feira, novembro 24, 2004

Sem objectivo

A rimar desafino
rimas sem destino
mero desabafo
nem a rimar me safo.

Barcos à deriva
nesta maré viva
Cabo da Boa Esperança
que ninguem alcança.

Bala perdida
por ninguém é sentida
falha por muito o alvo
acerta os cabelos de um calvo.

Uma história com reticências
um acto sem consequências
parece que falta algo
mas está tudo tão vago.

É este respirar sem viver
este existir que me faz sofrer
que me devia fazer querer morrer
mas só me dá vontade de escrever.

E se é preciso o bater do coração
para à tinta dar utilização,
então a morte que aguarde
e eu espero que muito tarde.

Comecei com filosofia
e com alguma nostalgia.
Uma mistura estranha
arde como lenha.

Este pensamento incendiado
não é de paixão
é sono adiado
que me faz entrar em combustão.

Estou na cama deitado
a escrever qual coitado.
Vou mas é dormir
a inspiração tá a fugir.

Acho que nunca a tive
ou então não a retive.
Problemas de contenção
na cerveja encontram agravação.

Sejam líquidos ou verbais
fluem muito mais.
Maravilhoso néctar de cevada
deixa a cabeça atordoada.